Ele não soube o que
fez
Primeiro veio a raiva. Depois a vergonha. E não demorou
muito para a tristeza chegar.
Era assim que Berenice se sentia: triste. Não sentia falta
de alguém, não estava carente, não pensava em fatos passados, muito menos
tentava achar explicações possíveis. Ela só estava sem fim. Respirava fundo e
parecia que o ar não acabava. A lágrima até secara, mas seu semblante era
desolador. Um olhar perdido num infinito de possibilidades escuras e escusas.
Mas não foi assim que Julio a deixou. Berê, como ele mesmo a
chamava, estava ensandecida. No dia fatídico ela entendera bem o real sentido
do crime passional. De fato estava a ponto de cometer uma loucura. Por pouco,
não recuperara a sanidade.
Quando Berenice descobriu a verdade se descontrolou por
fora, mas por dentro estava certa do que fazia. Fechou os olhos e, num suspiro
de coragem, foi atrás do flagrante. Assim que chegou naquela esquina, próximo
onde o bonde a deixava para seguir para o trabalho, ela viu. Viu com seus
próprios olhos os gracejos de Julio para com outra moça. Nada fez. Só esperou.
Primeiro o sorriso veio cúmplice. Depois veio gargalhada. E
não demorou para que o beijo virasse um daqueles apaixonados.
Foi assim que a mais bela dama caiu do salto. Soltou um
grito que poderia se escutar do início da rua. Julio ainda terminou o beijo,
com muita calma. Nunca em tempo algum acreditaria que sua esposa estivesse
testemunhando tudo.
Mas não foi assim que ele contou a família. Dissimulado, o
fez com muito cuidado. Não assumiu. Aliás, nunca assumiria. Julio era o esposo
perfeito, o mais bem quisto, o mais bem afortunado e em toda a história dos
Campos nunca alguém haveria de ter passado uma vergonha dessas.
Quando Berenice fechou os olhos novamente procurando seu
eixo, ela pensou em como os abriria novamente. E abriu. E olhou para frente.
Subiu no salto novamente. Cruzou a esquina.
Primeiro veio o olhar. Depois a lágrima. E não demorou muito
para o desespero chegar.
É assim que as mulheres sentem quando são traídas? Cheias de
ódio que as deixa sem prumo? Sem chão? Vermelhas de raiva? Como recuperar o
rubro dos lábios e partir? Cabeça erguida? Chance de conseguir voltar inteira
para casa, isso sim importava.
Mas não foi assim que Matos a percebeu. Ele, distinto, não
se assustou, mas, sim, sentiu uma vontade enorme de colocá-la entre seus
braços.
Quando Berenice percebeu já estava sendo acolhida. E se
sentiu confortável e estranhamente segura.
Primeiro veio o toque. Depois a percepção do quão belo ele
era. E não demorou muito para virar vício.