O Rio num dia de
chuva
Chovia. E quando chove no Rio de Janeiro é a previsão do
caos. No Centro da cidade, então... nem se fala. Aqui as pessoas não sabem
andar de guarda-chuva. E de fato é complicado. Você tem que olhar para o chão –
acredite, são muitas as poças d’água – pro carro que vai passar não jogar água
suja na sua roupa limpa, e, principalmente, para o guarda-chuva da pessoa ao
seu lado não bater no seu. A neurose é tanta que eu chego a ficar encolhida,
agarrada à minha bolsa e com os ombros curvados e as mãos cruzadas tamanha é a
vontade de seguir meu caminho sem surpresas.
Atravessar a rua faz parte desse capítulo “chuva no Centro
do Rio”. Eu sempre traço uma reta e uma estratégia. Assim não piso em falso,
mantenho a minha calça jeans limpa e
minha boca longe de palavrões.
Pausa. São segundos esperando o sinal fechar.
Que susto!
Porra, olho pro lado e tem um cara embaixo da minha
sombrinha.
“Desculpa, posso pegar uma carona aqui”?
Se falei não lembro. Mas fiz que sim com a cabeça. Ia ser
bem rapidinho – duas faixas de rolamento e só. Ok, duas indo e duas vindo. Mas,
tudo ligeiro. E, além do mais, era gatinho.
Não ia me custar nada.
Naqueles segundos, parada estava e parada fiquei. Olhei pro
outro lado, parecendo preocupada e com pressa. Não queria de modo algum olhar
pra ele de novo.
“Eu já te vi por aqui. Você trabalha aqui perto”?
Envergonhada, acho que pronunciei um sim entre os lábios.
Atravessamos.
E nessa eu vi o olhar dele de relance. Os meus continuam
tímidos.
“Obrigado. Espero te reencontrar num dia de sol”. E lá se
foi ele em direção ao Largo da Carioca.
Eu, quase que acamada na Avenida Paulista fria e distante,
esbocei um sorriso de lado e me perguntei “sério, eu ouvi isso”?
Não demorou nem meia hora para que eu guardasse o kit chuva
e tirasse o casaco. Afinal, esse é o Rio de Janeiro.
O sol voltou!
Ora, é outono. Faz frio e calor. Muda tanto o tempo quanto o
meu estado de espírito. Só sei que meu caminho de volta pra casa foi outro por
alguns dias. No claro intuito de não reencontrar o tal cara despojado e
desprevenido.
Aquele cara devia estar por ali só naquele dia, resolvendo
coisas. Mas por que ele perguntou se eu trabalhava por ali? Não, é mentira. Ele
nunca me viu. É papo de homem. Tava querendo chamar minha atenção. Eu fico só
sacando caras assim. Ele espera uma alma carente cair na lábia dele e créu.
Coisa de cafajeste. Claro, deve ser o pior tipo de homem. Veja só. Quanta
simpatia! Com uma desconhecida? Imagina eu casada com ele sabendo que ele fala
com qualquer uma na rua? Nunca que ia confiar.
As semanas se passaram, eu esqueci do infortúnio e voltei à
rotina. Mesmo caminho, mesmas ruas, mesmo sinal.
“Opa”!
Meu Deus, susto de
novo! Eu ando tão distraída. Como é que pode?
“Oi. Bom te ver. E dessa vez num dia tão bonito. Tanto
quanto você”.
Jesus, que cantada barata. Devolve que esse aí veio com
defeito.
“sabia que ia te ver de novo. Mas, sério... achei que
tivesse sido demitida, sei lá... há muito que não te vejo por aqui”.
Olha ele, gente, puxando assunto pra ver se cola.
“Então.. não quero ais te encontrar por acaso”.
Pausa.
Até que olhando, assim, melhor, esse jeito malandro
trabalhador é interessante. Esse olhar oblíquo que me deixa encabulada pode
render mais. Tô bem precisando de uma aventura mesmo. Vidinha morna de amor
romântico não mantém a gente em pé, não é? Vamos dar uma chance.
“A gente podia combinar um cineminha”.
Ah não. Brochei. Tem coisa mais casal que filme de sessão da
tarde? E eu aqui crente que ia viver um começo de paixão avassaladora, um sexo
descompromissado. Ah vá.
“Legal! Te pego na terça então”.
Pano preto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário