terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Ele não soube o que fez


Ele não soube o que fez

Primeiro veio a raiva. Depois a vergonha. E não demorou muito para a tristeza chegar.

Era assim que Berenice se sentia: triste. Não sentia falta de alguém, não estava carente, não pensava em fatos passados, muito menos tentava achar explicações possíveis. Ela só estava sem fim. Respirava fundo e parecia que o ar não acabava. A lágrima até secara, mas seu semblante era desolador. Um olhar perdido num infinito de possibilidades escuras e escusas.

Mas não foi assim que Julio a deixou. Berê, como ele mesmo a chamava, estava ensandecida. No dia fatídico ela entendera bem o real sentido do crime passional. De fato estava a ponto de cometer uma loucura. Por pouco, não recuperara a sanidade.

Quando Berenice descobriu a verdade se descontrolou por fora, mas por dentro estava certa do que fazia. Fechou os olhos e, num suspiro de coragem, foi atrás do flagrante. Assim que chegou naquela esquina, próximo onde o bonde a deixava para seguir para o trabalho, ela viu. Viu com seus próprios olhos os gracejos de Julio para com outra moça. Nada fez. Só esperou.

Primeiro o sorriso veio cúmplice. Depois veio gargalhada. E não demorou para que o beijo virasse um daqueles apaixonados.

Foi assim que a mais bela dama caiu do salto. Soltou um grito que poderia se escutar do início da rua. Julio ainda terminou o beijo, com muita calma. Nunca em tempo algum acreditaria que sua esposa estivesse testemunhando tudo.

Mas não foi assim que ele contou a família. Dissimulado, o fez com muito cuidado. Não assumiu. Aliás, nunca assumiria. Julio era o esposo perfeito, o mais bem quisto, o mais bem afortunado e em toda a história dos Campos nunca alguém haveria de ter passado uma vergonha dessas.

Quando Berenice fechou os olhos novamente procurando seu eixo, ela pensou em como os abriria novamente. E abriu. E olhou para frente. Subiu no salto novamente. Cruzou a esquina.

Primeiro veio o olhar. Depois a lágrima. E não demorou muito para o desespero chegar.
É assim que as mulheres sentem quando são traídas? Cheias de ódio que as deixa sem prumo? Sem chão? Vermelhas de raiva? Como recuperar o rubro dos lábios e partir? Cabeça erguida? Chance de conseguir voltar inteira para casa, isso sim importava.

Mas não foi assim que Matos a percebeu. Ele, distinto, não se assustou, mas, sim, sentiu uma vontade enorme de colocá-la entre seus braços.

Quando Berenice percebeu já estava sendo acolhida. E se sentiu confortável e estranhamente segura.


Primeiro veio o toque. Depois a percepção do quão belo ele era. E não demorou muito para virar vício. 



segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

O próximo encontro

 
O próximo encontro

Uma mão lava a outra. O que tem que ser seu arranja uma maneira de chegar a você. Uma porta se fecha, mas uma janela se abre.

A vida é tão feita de certezas. Não sei por que eu perco tanto tempo pensando nela. Se já está tudo na frente, todos os sinais, todos os caminhos traçados, por que eu resolvi ser racional?

Eu tô falando sério. Eu sou tão racional, que chega ao ponto de quando eu estou chorando eu penso: por que eu tô chorando? Eu mereço esse choro? E se eu tivesse feito tudo diferente?

Queria ser como essas pessoas que choram por chorar. Que deixam tudo escorrer em meia hora de choro descontrolado e depois seguem sua vida. Vivem o luto, sabe?

Mas como assim? Como assim viver o luto, é possível? É ficar triste e se permitir ficar triste?? Eu heim. Eu não!

Tô fora!

Não me permito!

Pronto. Não me permito.

Inclusive já tô indo tomar o meu banho e ficar cheirosa pro meu próximo date. Ele é alto, gato, tem uma barba daquela eu gosto – quem me conhece, sabe – e me abraça como ninguém. Putz, me fez lembrar o passado. Meu pretérito passado tem um abraço que encaixa em mim que é uma coooiiisaaaaa!

Opa, parou!

Cabeça fria.

Bruno tem um sorriso largo e é cavalheiro, uma qualidade que merece ser destacada de tão raro que se tornou. Ele faz o que eu gosto e se esforça pra me fazer feliz.

Então, é com esse vou!


Ops, me atrasei. Deixa correr aqui. Beijo, me liga, tchau.  



segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Samuel, o indeciso?


Samuel, o indeciso?

Depois de alguns meses sem ir à academia, resolvi voltar. Na verdade, fui obrigada a retomar a rotina de exercícios físicos. Tive que dar um tempo porque o joelho direito não se adaptou muito bem a pegar tanto peso. Era agachamento daqui, extensora dali... tadinho... “Inflexibilidade”, minha mãe diria recorrendo a medicina holística misturada ao novo livro de meditação que ela está lendo. Owwwnnnn, digo eu.

Foi só eu chegar e ver Samuel de longe. Estava trocando uma ideia com um amigo enquanto tomava um suco giga – sério, devia ter um litro de qualquer coisa batida com ovo naquele copo. De cara eu pensei: “tem coisa que não muda nunca”.

É, tem mesmo. Continuo tímida. Nesse ponto, nada mudou. Abaixei a cabeça e fingi que não o tinha visto. Passei direto e fui encher minha garrafinha de água para começar a sessão tortura.

Até que: ele se materializa do meu lado. “Oi, gata”, falou de canto de boca. Gelei. E olhei pra cima. Claro, ele bem mais alto que eu. “Oi”, respondi e imaginei que meu rosto estava vermelho de vergonha. “Tá tão sumida... você tá bem?”. Achei até fofo e em poucas palavras expliquei o que tinha acontecido. Rapidinho já estava eu em pé na esteira tentando ligar o equipamento. Eu tinha esquecido como se mexia naquela máquina com múltiplos botões. “Ainda bem que você tá aqui... valeu por ajudar”, retribuí a fofura dele.

Nem tive tempo de abrir o livro de física quântica que tinha levado para passar os trinta minutos de caminhada leve que tinha como meta. Ficamos conversando amenidades e rindo com as histórias de outras pessoas que ele conhecia que tinha problemas nas articulações, assim como eu. Ele mesmo já teve um problema sério no ombro quando criança. Me deu uma aula de anatomia, juro. Depois de alguns minutos, meu rosto já corava de novo... mas, dessa vez, pelo esforço que fazia.

Samuel resolveu encarar a esteira do lado e se aventurou a andar comigo. A conversa continuou e eu me surpreendi. Sinceramente, não acreditava em mais de 30 minutos de troca de ideias interessante. Preconceito é uma merda mesmo. Ainda bem que dei a chance. 

Perderia uma boa companhia facilmente por achar aquele gato e rato de academia uma cabeça de minhoca.

Voltando, foram exatos 25 minutos caminhando juntos – e na mesma velocidade, acho que por gentileza dele. Nos últimos cinco, bem no finalzinho, ele acelerou para a corrida que o deixaria esbaforido no fim da noite. Eu saí dali, pedi um suco de laranja com cenoura e inconscientemente o esperei.

Poderia ter ido embora daquele lugar que tanto odeio, mas não fui. Quando ele finalizou a série de exercícios, veio a mim e malandramente falou: “e aí, gata, vamos? Vamos juntos caminhando pra casa? Onde você mora?”.

Eu nem respondi. Ou se respondi, não faço ideia. Quando vi já estávamos fora da “casa de tortura” continuando o papo tranquilo. Não lembro sobre o que conversávamos. Na verdade, isso é o que menos importa. O que vale aqui foi a atitude dele e a minha em conseguir me envolver e manter a atenção no que ele falava.

Quando cheguei na porta de casa, só disse “chegamos”. E ele? Abriu um sorrisão. Agarrou minha nuca, trouxe minha boca pra perto da dele, deu um selinho bem apertado e mandou: “então, até amanhã! Amanhã te vejo de novo, né? Academia agora é toda dia e todo dia e todo dia”.

Fiz que sim com a cabeça, ainda meio zonza e segui meu caminho. Quando entrei em casa comecei a me dar conta do que aconteceu. “Putz, não acredito que não nos beijamos! Que quê acontece com esses caras de hoje em dia? Eu heim...”

Interfone tocou. Porteiro me mandando descer porque Samuel estava lá embaixo.
Para tudo!

“Não, manda subir”. Meu joelho dói e eu tô precisando um pouco de intimidade, né? Agora eu pego ele, pensei.

Samuel saiu do elevador procurando o número do apartamento. Eu só observei e esperei ele me encontrar com o olhar. Quando achou, eu dei um sorriso. E ele retribuiu. Eu não me mexi. O negro alto veio perto, pegou minha nunca do mesmo jeito que antes e me deu um beijo cinematográfico.

“Agora sim”, recuperado o fôlego, disse baixinho aos pés do ouvido dele.