Samuel, o indeciso?
Depois de alguns meses sem ir à academia, resolvi voltar. Na
verdade, fui obrigada a retomar a rotina de exercícios físicos. Tive que dar um
tempo porque o joelho direito não se adaptou muito bem a pegar tanto peso. Era
agachamento daqui, extensora dali... tadinho... “Inflexibilidade”, minha mãe
diria recorrendo a medicina holística misturada ao novo livro de meditação que
ela está lendo. Owwwnnnn, digo eu.
Foi só eu chegar e ver Samuel de longe. Estava trocando uma
ideia com um amigo enquanto tomava um suco giga – sério, devia ter um litro de
qualquer coisa batida com ovo naquele copo. De cara eu pensei: “tem coisa que
não muda nunca”.
É, tem mesmo. Continuo tímida. Nesse ponto, nada mudou.
Abaixei a cabeça e fingi que não o tinha visto. Passei direto e fui encher
minha garrafinha de água para começar a sessão tortura.
Até que: ele se materializa do meu lado. “Oi, gata”, falou
de canto de boca. Gelei. E olhei pra cima. Claro, ele bem mais alto que eu.
“Oi”, respondi e imaginei que meu rosto estava vermelho de vergonha. “Tá tão
sumida... você tá bem?”. Achei até fofo e em poucas palavras expliquei o que
tinha acontecido. Rapidinho já estava eu em pé na esteira tentando ligar o
equipamento. Eu tinha esquecido como se mexia naquela máquina com múltiplos
botões. “Ainda bem que você tá aqui... valeu por ajudar”, retribuí a fofura
dele.
Nem tive tempo de abrir o livro de física quântica que tinha
levado para passar os trinta minutos de caminhada leve que tinha como meta.
Ficamos conversando amenidades e rindo com as histórias de outras pessoas que
ele conhecia que tinha problemas nas articulações, assim como eu. Ele mesmo já
teve um problema sério no ombro quando criança. Me deu uma aula de anatomia,
juro. Depois de alguns minutos, meu rosto já corava de novo... mas, dessa vez,
pelo esforço que fazia.
Samuel resolveu encarar a esteira do lado e se aventurou a
andar comigo. A conversa continuou e eu me surpreendi. Sinceramente, não
acreditava em mais de 30 minutos de troca de ideias interessante. Preconceito é
uma merda mesmo. Ainda bem que dei a chance.
Perderia uma boa companhia facilmente
por achar aquele gato e rato de academia uma cabeça de minhoca.
Voltando, foram exatos 25 minutos caminhando juntos – e na
mesma velocidade, acho que por gentileza dele. Nos últimos cinco, bem no
finalzinho, ele acelerou para a corrida que o deixaria esbaforido no fim da
noite. Eu saí dali, pedi um suco de laranja com cenoura e inconscientemente o
esperei.
Poderia ter ido embora daquele lugar que tanto odeio, mas
não fui. Quando ele finalizou a série de exercícios, veio a mim e malandramente
falou: “e aí, gata, vamos? Vamos juntos caminhando pra casa? Onde você mora?”.
Eu nem respondi. Ou se respondi, não faço ideia. Quando vi
já estávamos fora da “casa de tortura” continuando o papo tranquilo. Não lembro
sobre o que conversávamos. Na verdade, isso é o que menos importa. O que vale
aqui foi a atitude dele e a minha em conseguir me envolver e manter a atenção
no que ele falava.
Quando cheguei na porta de casa, só disse “chegamos”. E ele?
Abriu um sorrisão. Agarrou minha nuca, trouxe minha boca pra perto da dele, deu
um selinho bem apertado e mandou: “então, até amanhã! Amanhã te vejo de novo,
né? Academia agora é toda dia e todo dia e todo dia”.
Fiz que sim com a cabeça, ainda meio zonza e segui meu
caminho. Quando entrei em casa comecei a me dar conta do que aconteceu. “Putz,
não acredito que não nos beijamos! Que quê acontece com esses caras de hoje em
dia? Eu heim...”
Interfone tocou. Porteiro me mandando descer porque Samuel
estava lá embaixo.
Para tudo!
“Não, manda subir”. Meu joelho dói e eu tô precisando um
pouco de intimidade, né? Agora eu pego ele, pensei.
Samuel saiu do elevador procurando o número do apartamento.
Eu só observei e esperei ele me encontrar com o olhar. Quando achou, eu dei um
sorriso. E ele retribuiu. Eu não me mexi. O negro alto veio perto, pegou minha
nunca do mesmo jeito que antes e me deu um beijo cinematográfico.
“Agora sim”, recuperado o fôlego, disse baixinho aos pés do
ouvido dele.
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